O suicídio é um fenómeno trágico mundial. Muitas pessoas não querem realmente morrer. É ambivalente. E, nestes casos, a forma como a comunicação social expõem e explora os casos públicos de suicídio pode influenciar a ocorrência de outros, pelo seu poder e papel ativo - essencial para a prevenção do mesmo.
Suicídio: o que não é prevenção?
Abordar a temática de forma simples, sensacionalista ou como resultado de uma única variável
Glorificação da vítima
Negligenciar a família e núcleo social mais íntimo
Expor/explorar/sugerir o suicídio como um método de gestão de dificuldades (problemas pessoais,financeiros, relacionais, trauma…)
Comportamentos autolesivos e suicídio
Existem diferenças significativas sobre o conceito relativo aos comportamentos de violência autodirigida, dificultando a assimilação e compreensão deste fenómeno, pela falta de consenso entre investigadores e clínicos. Pode-se caracterizar todos os comportamentos intencionais e que provocam algum dano físico e/ou psicológico, com o intuito ou não de suicídio, como comportamentos de violência autodirigida (Nock, 2010; Nock, & Favazza, 2009).
Quando o propósito é a morte, o suicídio também pode ser definido como um ato de autolesão – uma ação intencional de matar a si mesmo (OMS – Organização Mundial de Saúde, 2008) -, determinado por fatores filosóficos, antropológicos, sociais, psicológicos ou biológicos, sem distinção de etnia ou estatuto social (Shneidman, 1975).
Segundo a OMS (2008) suicidam-se diariamente, em todo o mundo, aproximadamente 3000 pessoas (uma a cada 40 segundos) e, por cada suicídio, mais de vinte pessoas cometem tentativas de suicídio. Estimava-se que, em 2020 (sim, este ano!) o número anual de suicídios atingisse os 1,5 milhões.
O suicídio é a segunda causa de morte em jovens dos 15 aos 19 anos. Porém as “estatísticas oficiais não refletem a realidade, há que reconhecer que a verdadeira dimensão do fenómeno é desconhecida”, também estigmatização religiosa, sociocultural e política (DGS, 2013/2017, p. 17; OMS, 2008).
'Contágio', o Efeito de Werther na era digital
O processo de imitação, indução e contágio de comportamentos autolesivos não é novidade. Em 1774 foi publicado, na Alemanha, o livro de Johann W. Von Goethe, “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, onde a personagem principal decide cometer suicídio. Com a popularidade e sucesso do romance muitos jovens europeus, ao identificarem-se com o comportamento da personagem, consumaram o ato (Gould, et al., 2014) - eternizando o Efeito de Werther - pela influência dos meios de comunicação no fenómeno.
Numa altura anterior ao aparecimento das redes sociais digitais e das comunidades virtuais, alguns investigadores estudaram o impacto das publicações e/ou reportagens em jornais sobre casos de suicídio (WHO, 2008; Gould, 2014). Entre 1947 e 1968, um estudo pioneiro, orientado por Phillips, investigou a sugestibilidade dos atos suicidas, comparando o número de casos de suicídios ocorridos nos meses em que uma notícia sobre o fenómeno era publicada na primeira página do jornal. Os resultados foram sugestivos: dos 33 meses em que a temática do suicídio foi relevante, existiu um aumento significativo do número de suicídios em 26 dos meses (WHO, 2008).
Os meios de comunicação tradicionais e as redes sociais podem influenciar a decisão de iniciarem comportamentos autolesivos, devido à influência de informações e dos conteúdos. As redes sociais surgem como um canal de comunicação entre as pessoas e de interlocução com os media, capazes de moldar e promover atitudes e comportamentos, face ao impacto dos conteúdos partilhados (WHO, 2008; Luxton, June, & Fairall, 2012; Hawton, 2014).
Existe algum consenso na literatura, relativamente ao impacto dos meios de comunicação e à sua influência, na decisão de consumar o ato suicida. Outros estudos demonstraram que, pelas redes sociais, a internet surgia como principal ferramenta de procura, entre adolescentes, de reforço para a ideação suicida, dos pensamentos ou mesmo como forma de estimular os mesmos (WHO, 2008; Gomes, et al., 2014; Gould, et al., 2014; Figueiredo, 2015).
'Contágio', comunicação social e redes sociais
O tratamento da informação, por parte da comunicação social é imprescindível pela sua função preventiva e sensibilizadora. Porém, a disseminação da informação e do conteúdo é veloz e o impacto é evidente. Segundo a OMS e a DGS, qualquer meio de comunicação social, face aos efeitos de 'contágio' ou 'imitação', podem provocar ou promover o ato suicida. O limite é muito ténue.
A internet, ao eliminar as barreiras geográficas e estimulando a comunicação entre as pessoas, torna-se um desafio iminente e imenso para a sociedade que procura a prevenção do suicídio (Figueiredo, 2015). As redes sociais, como meio de comunicação, podem tanto contribuir para a prevenção, como para a promoção, dependendo da forma e do conteúdo das publicações que são divulgadas e partilhadas (informativo, preventivo, condenatório, etc).
Outros autores caracterizaram como suicide modelling este tipo de comportamento, pela influência e modelagem que a população mais vulnerável ao suicídio e aos meios de comunicação pode experimentar (Thompson, 1999, como referido em Gomes, et al. 2014) e pela possibilidade de encorajamento e promoção do suicídio como uma opção viável (Baume, Rolfe, & Clinton, 1988, como referido em Gomes, et al., 2014).
A relação com a tecnologia poderá influenciar as relações que as pessoas têm consigo próprias, com os outros, com as suas atividades diárias e, consequentemente, com os processos sociais - podendo motivar novos rituais, novas razões ou novas culturas (Turkle, 2005).
Prevenção do suicídio e internet
Seja pelo Facebook ou Instagram, que registam suicídios e tentativas de suicídio pela função Live, em tempo real, ou pela exposição mediática de casos públicos de suicido, pelos media tradicional, as "novas" formas de comunicar, instantâneas, alteram os paradigmas anteriores, pela alteração dos hábitos de socialização, bem como, da exposição a certos tipos de conteúdos, podendo influir as pessoas a este tipo de comportamento (Luxton, et al., 2012).
A maioria destas redes, ao serem também geridas pelos próprios utilizadores, torna-os parte ativa na prevenção de comportamentos autolesivos e atos suicidas. Os próprios usuários podem denunciar e reportar conteúdos, mediante as políticas de comunidade de cada rede social, podem cocriar conteúdo desadequado ou impróprio, ou podem não compartilhar certo tipo de conteúdo ou notícias. A influência é imensa e acontece de variadas formas. Nesta era digital, a sensibilização dos media para a prevenção é urgente, por serem considerados o terceiro maior incitador de atos suicidas, devido ao efeito de contágio (Figueiredo, 2015).
Este fenómeno é uma ameaça para a saúde pública mundial, orientando e motivando novas abordagens terapêuticas e soluções ativas e preventivas, também utilizando as redes sociais como uma ferramenta com potencial para a criação de novas formas de ser (e estar) Humano.
Em conclusão
Devido à pouca investigação sobre o tema, é difícil compreender se as informações que circulam serão interpretadas e desconstruídas de uma forma preventiva ou se, mesmo sendo esse o maior objetivo, a informação utilizada será para promover e/ou glorificar o fenómeno, potenciando a disseminação ambígua de conteúdos, para usos inadequados (WHO, 2008; Gomes, et al, 2014; Figueiredo; 2015).
O conteúdo publicado e/ou partilhado depende do que o próprio utilizador partilha sobre si mesmo e/ou contexto e, consequentemente, a sua disseminação pode ser indiscriminada. Isto significa que o mesmo conteúdo pode potenciar uma abordagem preventiva, mas também de promoção dos comportamentos autolesivos. A consciencialização do impacto deste fenómeno e de mais saúde mental, em geral, é fundamental para a compreensão de quem, tantas vezes, está em sofrimento e dor psicológica e emocional. No caso dos comportamentos autolesivos, a vítima não é só a pessoa que faz mal a si própria - é também a família, os amigos, os pares, a sociedade, o Mundo.
Em tempos de pandemia a saúde mental e o bem-estar estão em risco. Já não somos mais os mesmos. Para nós mesmos e para com os outros. A desilusão pode ser como uma oportunidade para apenas percecionar a realidade, tal como é, sem ilusões, mesmo em dor. Só por hoje atreve-te a olhar. Hoje, nem tudo pode estar bem.
E está tudo bem em não estar.
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Carolina Oliveira Borges
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Telefone da amizade – 228 323 535 | Apoio em situações de crise pessoal e suicídio das 16h às 23h
APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – 707 200 077
Referências Bibliográficas
Direção-Geral de Saúde. Plano Nacional de Prevenção do Suicídio (2013/2017). Ministério da Saúde. Governo de Portugal, recuperado em: https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/plano-nacional-de-prevencao-do-suicido-20132017.aspx
Borges, Carolina (2012). À flor da pele: Algumas reflexões a propósito de um estudo de caso sobre autolesão (Dissertação de mestrado). ISPA, Lisboa.
Luxton, D., June, J., Fairall, J. (2012). Social media and suicide: a public health perspective. American Journal of Public Health, 102 suppl 2:S195-200.
Moreno, M., Ton, A., Selkie, E., & Evans, Y. (2016). Secret Society 123: Understanding the Language of Self-Harm on Instagram. Journal of Adolescent Health 58, 78-84
Figueiredo, Felícia (2015). Redes Sociais: Um suporte para a prática do self-cyberbullying. Educação, Sociedade & Culturas, 44, 107-129
Gomes, J. O.; Baptista, M. N.; Carneiro, A. M., & Cardoso, H. F. (2014). Suicídio e internet: análise de resultados em ferramentas de busca. Psicologia & Sociedade, 26 (1), 63-73
Gould, M. S., Kleinman, M. H., Lake, A. M., Forman, J., & Midle, J. B. (2014). Newspaper coverage of suicide and initiation of suicide clusters in teenagers in the USA, 1988–96: a retrospective, population-based, case-control study. The Lancet Psychiatry, 1(1), 34–43. doi:10.1016/S2215-0366(14)70225-1
Hilton, C. (2016). Unveiling self-harm behaviour: what can social media site Twitter tell us about self-harm? A qualitative exploration. Journal of Clinical Nursing
Turkle, S. (2005). The Second Self: Computers and the Human Spirit. MIT Press
Shneidman, E. S. (1975). Suicide. In A. M. Freeman, H. I. Kaplan & B. J. Sadock (Eds.), Comprehensive textbook of psychiatry (2nd ed., pp. 177-185). Baltimore: Willians & Wilkins
Nock, M. K. (2009). Why Do People Hurt Themselves? New Insights Into the Nature and Functions of Self-Injury. Current Directions in Psychological Science, 18,2, 78-83, Harvard Publishing
Nock, M. K., & Favazza, A. R. (2009). Nonsuicidal Self-Injury: Definition an Classification. In: Nock, Matthew K. (Ed.), Understanding nonsuicidal self- injury: Origins, assessment, and treatment (pp.9-18). Washington DC, US: American Psychological Association.
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