Desde os primeiros confinamentos, que uma imensurável alteração de comportamentos começou a acontecer. Em grande parte, sem que tenhamos dado por ela. Falo da desmotivação em estarmos fisicamente com o Outro. Ou melhor, estarmos conscientemente com o Outro, e de forma empática. E será que isso significa que está, ou vai ficar, tudo bem?
Estamos em casa, fechados. Está tudo bem. Ia ficar tudo bem, diziam. E parece que tudo, de facto, está a ficar tudo bem. Continua a ser de lamentar todas as mortes que a pandemia continua a provocar, bem como todas as situações onde as liberdades, o pensamento crítico, e a autonomia social são colocadas à prova e em xeque. No entanto, comparativamente com os últimos dois anos, está tudo bem. Vai ficar tudo bem, diziam.
Mas será que está, de facto, tudo bem?
Estamos em casa, fechados. E esta aparente sensação de segurança e de conforto, que nem todas as pessoas têm, invade-nos a casa, não deixando grande espaço, nem margem de manobra. Ficamos inevitavelmente dentro de uma bolha. E está tudo bem. Ia ficar tudo bem, diziam.
Mas será que estamos, de facto, bem?
Independentemente de todas as características da nossa atualidade que não serão de ignorar, como por exemplo crises políticas, sociais, económicas e climáticas, parece que existe uma crise que ainda poucos de nós identificámos. A crise relacional. A crise que nos deixa dentro de casa, e sem interesse ou necessidade de sair e estar com o Outro. Mas está tudo bem.
Desde os primeiros confinamentos, que uma imensurável alteração de comportamentos começou a acontecer. Em grande parte, sem que tenhamos dado por ela. Falo da desmotivação em estarmos fisicamente com o Outro. Ou melhor, estarmos conscientemente com o Outro, e de forma empática. E será que isso significa que está, ou vai ficar, tudo bem?
O ser humano tem a maravilhosa capacidade de se conseguir adaptar. Ainda assim, acredito que nem todas as adaptações têm forçosamente de ser boas. São mecanismos de sobrevivência. E como tal, no limite, parece que está tudo bem. Mas… estará?
Algo que ouvi com muita regularidade foi a frase “a pandemia fez-me olhar para dentro”. Ouvi também que "a pandemia deu-me espaço e tempo”. Mas será que olhámos para dentro, ou nos fechámos, em nós próprios, perdendo a também maravilhosa capacidade de empatia com o Outro.
Além das incríveis capacidades que o ser humano tem, é possível identificarmos que emoções como o medo podem ter sido exacerbadas. E sobre isso sim, está tudo bem, desde que, tenhamos consciência que isso aconteceu (ou continua a acontecer), e que coloquemos algum tipo de plano em marcha para aprendermos a lidar com estes novos medos, que são tão comuns nesta realidade, que diziam ia ficar tudo bem.
Este não é um problema do "eu" ou do "tu". Este é um desafio nosso. É extremamente desafiante compartilhar a dor do Outro. E talvez seja cada vez mais desafiante mostrar as nossas vulnerabilidades. Este sentimento que parece estar cada vez mais presente de que não podemos falhar. Não podes falhar enquanto pessoa, nem profissional, nem amigo/a, nem filho/a, nem pai ou mãe. Falhar e mostrar vulnerabilidades é para quem é fraco. E livrem-nos dos rótulos da depressão e da ansiedade que isso não é para nós que tivemos tanto espaço e tanto tempo para olhar para dentro...
E ficamos sem capacidade de pedir ajuda. E sem capacidade de identificar quem poderá precisar de ajuda. Ficamos cada vez mais sozinhos/as numa cultura que agride, sendo espectadores/as do circo social onde quem reina é o fumo e a fome numa potencial ditadura da felicidade, onde tudo no final vai ficar bem...
Este tsunami socio-emocional é um fenómeno que já começou em mar alto. As vagas de água que poderão vir a afundar as nossas competências sociais e relacionais estão cada vez mais perto, se não que já começaram a embater em alguns de nós, sem que tenhamos sequer qualquer consciência desse embate. E sem porventura sentimos que está tudo bem, então talvez seja o momento certo para refletir se estamos à tona de água ou a ficar cada vez mais sem fôlego relacional. E está tudo bem se estivermos sem esse fôlego.
É perfeitamente natural e expectável estarmos sem fôlego. É mais do que aceitável procurar ajuda quer seja na psicoterapia quer seja em outro lugar. O que não devemos deixar acontecer é atropelar intenções que podem não ser fáceis de mudar, como por exemplo acontece no final do filme de Sean Penn Into the Wild que diz “happyness only real if shared”.
Se conseguirmos ter essa consciência, se não esquecermos a necessidade de relação, então pode haver, de facto, a possibilidade de ficar tudo bem.
Francisco Valente Gonçalves PhD, MSc, BSc, PGDip
Co-founder & Psicólogo Clínico
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