´O problema não são aqueles a quem chamamos loucos. Esses, compreendem-nos perfeitamente.’
Há alguns anos, a trabalhar com pessoas com doença mental e pensei numa frase. Uma frase que me fez pensar até que ponto estamos todos errados. Até que ponto, esta coisa da doença mental, não é nada mais, nada menos do que uma forma de controlarmos o que não conhecemos e até mesmo isolarmos do nosso espaço o que não queremos conhecer.
Não tenho como objetivo neste texto discutir a existência ou não do conceito de doença mental. Existe, de facto, literatura que desafia a existência do conceito. Mas depois de viver com algumas pessoas o seu sofrimento, depois de observar situações que desafiam a normalidade e depois de, no final de um processo terapêutico, observar a transformação emocional possível, quero acreditar que existe sim uma condição que podemos dizer, aquela pessoa está emocionalmente doente. Se isso se chama doença mental ou não, deixo essa discussão para outros que tenham esse interesse. Neste texto, não tenho tal interesse.
Neste texto, tenho o interesse de contar a história que me fez pensar na frase seguinte:
‘O problema não são aqueles a quem chamamos loucos. Esses, compreendem-nos perfeitamente.’ Houve um dia que, depois de sair da escola, andava no ensino secundário, estava a andar com uma amiga na rua, falávamos de coisas triviais. Um homem aborda-nos. Bem vestido e com um ar que aparentava ter a idade do nosso pai. “Por favor, têm uma esmola?”. Olhámos o homem, o seu casaco tweed e as calças de bombazine, os óculos de massa escuros e sem sorrir largamente, mas com cara de respeito respondemos que não tínhamos dinheiro connosco. Ao que o homem retorquiu, “não é dinheiro que eu quero, é uma esmola”. Éramos miúdos. Não percebemos o que ele queria dizer, e a nossa cara deve ter demonstrado que não tínhamos sequer chegado perto da sua mensagem. O homem com ar de 50 anos, mais coisa menos coisa, continuou,
“gostava de ter alguém para falar, ou pelo menos que olhasse para mim e dissesse boa noite”.
Caiu-nos tudo. Ficamos, possivelmente com o que a expressão diz, sem pinga de sangue. Dissemos “desculpe, não percebemos à primeira”. O homem explicou-nos que normalmente não falavam com ele porque ele gostava de falar, mas por vezes o seu discurso era confuso “por causa da medicação para a esquizofrenia”. Depois de falarmos sobre algumas coisas que tinham a ver com política e educação seguimos o caminho que antes estava planeado. Demorou 10 minutos. Dissemos, ”tenha uma boa noite”. O homem respondeu, “obrigado”, e seguiu o seu caminho.
Esta coisa de pararmos e conseguirmos estar com as pessoas, é difícil. Não só difícil, mas no nosso dia-a-dia, quase impossível. Queremos que todas as pessoas se comportem como acharíamos que se deveriam comportar. Tal e qual como a frase que o recente filme do Joker nos lembra, que o pior da doença mental é que as outras pessoas querem que nos comportemos como se não tivéssemos nenhuma doença. Parar e ter tempo para nós. Parar e ter tempo para o Outro que nos faz parar. Parar não é uma obrigação. Nos tempos que correm há quem diga que é um luxo. Mas parar é mais que um dever de cada um. Parar é um direito. É para todos e por todos.
Deixemos de ser jokers, e passemos a não ignorar o óbvio. Deixemos de fugir com o rabo à seringa para falar de coisas tão importantes como o bem-estar. De que serve ter uma casa feng shui ou estar no topo da carreira se o estado mental está menos estado, mas mais caco mental. De que serve acharmos que controlamos quando nem sabemos o que precisamos controlar?
Para quê partilhar que a depressão e a ansiedade são a doença do futuro se depois não queremos sequer experimentar psicoterapia. Achamos que somos capazes sozinhos. Achamos que não nos valerá de nada. Achamos mais do que fazemos. Se calhar precisamos de parar para perceber o que pensamos. Esquecer os achismos.
Tenhamos mais tempo para ouvir. Ou na verdade para escutar. Principalmente o que não compreendemos. Tentemos compreender os que não compreendemos, pois normalmente, esses compreendem-nos perfeitamente. E no final, no final das contas, a conclusão até pode ser que sejamos iguais, ou quiçá, muito semelhantes.
E a dúvida existe, e assusta, seremos todos loucos?
Só se não quisermos parar…
Francisco Valente Gonçalves Co-founder & Non-executive Chairman
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